Jornalista de O Globo desafina o coro do denuncismo oportunista e apresenta outra perspectiva para analisar a situação do Ministro da Integração. Pode está certo, pode está errado. Não é isto o que importa, e sim o compromisso com a isenção.
Globo
09/01/2021
Ricardo Noblat
Sempre que o Congresso entra de férias no meio e no fim do ano, desabrocham o que o ex-deputado Thales Ramalho, secretário-geral do antigo MDB, chamava de "flores do recesso". São assuntos destinados a ocupar largo espaço nos meios de comunicação até que o Congresso volte a funcionar. Irrompem de uma hora para a outra. Fenecem de repente.
De longe, a mais viçosa flor do atual recesso é a história do ministro Fernando Bezerra Coelho, da Integração Nacional, que usou quase 90% da verba do programa federal de prevenção de desastres naturais para socorrer Pernambuco, seu estado, vítima de duas inundações em 2010 e de uma no ano passado.
Cara de pau esse ministro... No ano passado, e novamente neste, fortes chuvas castigam meia dúzia de estados, fazendo transbordar rios, destruindo casas e estradas, matando e desabrigando gente. E o ministro só se preocupa com a terra onde mercadeja seus votos. Um abuso! É ou não é?
Inclua-me fora dessa! Em junho de 2010, duas inundações varreram parte de Pernambuco. Outra parte foi varrida em maio último. No total, cerca de 80 mil pessoas ficaram desalojadas e desabrigadas. Tombaram 16 mil casas, 600 escolas, seis hospitais de médio porte e 26 pontes de grande porte.
Em meio à terceira inundação, Dilma telefonou a Eduardo Campos, governador de Pernambuco e presidente do PSB, oferecendo ajuda. Ele pediu R$ 500 milhões para construir um sistema de cinco barragens capaz de evitar a repetição do flagelo. Dilma topou dar a metade. O estado daria o restante. Negócio fechado.
Há R$ 6 bilhões alocados em ministérios para uso em prevenção e combate a desastres naturais. O da Integração Nacional dispunha apenas de R$ 31 milhões. Com o conhecimento de Dilma, remeteu R$ 25 milhões para Pernambuco - o que significa 10% do que foi garantido por ela. Ou 5% do preço das cinco barragens.
Minas Gerais recebeu no ano passado R$ 50 milhões para aplicar nas 80 cidades atingidas pelas chuvas de janeiro. Os reparos só foram concluídos em 15 delas. Há poucos dias, tiveram início em mais dez. Sumiu gorda parcela do dinheiro reservado para recuperar a semi-destruída Região Serrana do Rio de Janeiro.
São 251 as cidades com risco elevado de desastres naturais. A tragédia carioca que no ano passado custou a vida de mais de mil pessoas acelerou a montagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais. Precariamente, 56 cidades vem sendo monitoradas há dois meses - nenhuma fora de Sul e Sudeste. Ó paí, ó!
Eduardo lamenta a conduta do governo Dilma quando a imprensa, à falta de escândalos de verdade, imaginou estar diante de um - o primeiro de 2012. O governo poderia ter respondido a denúncia inaugural e abortado o barulho - mas não. Custou a reagir. Só o fez ao perceber com quem entrava em rota de colisão.
Lula trata Eduardo como se fosse um filho adotivo. Eduardo reelegeu-se vencendo o atual senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) em todos os 184 municípios de Pernambuco - em 102 deles com mais de 90% dos votos, em 47 com mais de 95% e em 23 com mais de 98%. Nenhum outro estado registrou vitória tão acachapante.
Coube à ministra do Planejamento repetir de público o que Eduardo havia dito sobre o acordo para a construção das barragens. Coube também à ministra avalizar tudo o que fez seu colega da Integração Nacional. Por fim, coube ao presidente do PT incensar as virtudes do PSB, precioso aliado.
Entre outras coisas notáveis, os pernambucanos se gabam de ter a maior avenida em linha reta das Américas e o maior shopping center do país. Já tiveram uma inesquecível casa em forma de navio. Debocham deles mesmos ao dizerem que os rios Capibaribe e Beberibe se juntam no Recife para formar o Oceano Atlântico.
Eduardo é o governador mais popular do Brasil com 90% de aprovação. A levar-se em conta a mania de grandeza dos seus conterrâneos, agora corre o risco de virar unanimidade.
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