Como já disse antes, denuncismo não é jornalismo
FOLHA DE SÃO PAULO
OMBUDSMAN
Por Suzana Singer
Pega, Mata e Come
E já se foram seis. Pelas mãos da imprensa, os titulares da Casa Civil, Transportes, Defesa, Agricultura, Turismo e Esporte deixaram suas pastas apenas neste ano. Sinal de pujança da mídia ou de execração pública desenfreada? A verdade está no meio do caminho.
Não há como negar o bom trabalho de jornais e revistas -especialmente o da Folha e o da “Veja”- na revelação de falcatruas com o dinheiro público, de enriquecimento suspeito ou de vaidade extremada (caso de Nelson Jobim). De motel pago com diárias do governo federal a convênios-fantasmas para atender crianças carentes, apareceram vários motivos para a “faxina” de Dilma Rousseff.
O último varrido do poder foi Orlando Silva, que, na quarta-feira, depois de 11 dias seguidos de protagonismo no noticiário político, sucumbiu. Não há dúvida de que, no mínimo, uma série de irregularidades germinava no Ministério do Esporte, o que pode ser considerado motivo suficiente para trocar o titular.
Mas, no afã de dar o último tiro, atropelou-se várias vezes o bom jornalismo. No dia 18, na esteira do UOL, a Folha e seus concorrentes publicaram reportagens sobre a compra de um terreno em Campinas pelo ex-ministro. Ressaltou-se o montante pago à vista: R$ 370 mil, o que não é uma cifra astronômica para um funcionário público no topo da carreira e que afirma não ter outros imóveis.
Levantava-se também a suspeita de que a Petrobras viesse a favorecer Orlando Silva, retirando da área dutos de gás que passam por ali. A estatal nega qualquer intenção desse tipo. Nada havia, portanto, a denunciar -ou seja, nada que merecesse ser publicado. A praga do “linchamento midiático” atacou de novo quatro dias depois, quando a manchete da Folha trazia mais uma acusação: “Esporte cobrou 10% de propina, afirma pastor”. O denunciante, filiado ao PP, dizia que funcionários do Ministério do Esporte o procuraram para pedir propina depois que um convênio da sua ONG foi aprovado.
O entrevistado não apresentou provas e tinha muitos motivos para ter raiva: as contas de sua entidade foram rejeitadas, e a renovação do contrato com o governo, indeferida. O mesmo poderia ser dito do policial João Dias, que desencadeou a fritura de Orlando Silva, mas ele tinha acesso à cúpula do ministério, citava vários nomes e apresentou depois gravações.
Se dependessem de fontes idôneas, os repórteres estariam em maus lençóis. A maioria dos malfeitos emerge de interesses contrariados, quase sempre de aproveitadores do erário em surtos momentâneos de cidadania. Isso não pode ser álibi, porém, para estender o microfone a qualquer um que levante a voz contra os políticos.
Anteontem, a precipitação ”denuncista” se manteve com a história de que Apolinário Rebelo, irmão do novo ministro, Aldo Rebelo, foi citado como beneficiário de um suposto esquema de desvio de dinheiro. Era outra acusação, sem provas, do policial falastrão, que merecia um registro, mas nunca o destaque dado: foi o texto principal em uma página de Poder e ocupou, por horas, a manchete da Folha.com.
É preciso cuidado com a cultura do escândalo. Acusação baseada em uma só fonte, sem documentos, é o início do trabalho do repórter, não o seu fim -mesmo no noticiário político, onde, infelizmente, se atira a esmo e se acertam mais corpos do que se esperava.
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